Quando optei por morar no interior do Maranhão, sabia dos meus prováveis ganhos e das minhas inevitáveis perdas:
Sobre os primeiros, com o decurso do tempo, aprendi, através de
um convívio bem próximo, com meus pacientes mais pobres e mais
carentes, a ser, mais humana e muito mais solidária;
Aprendi que, a cultura da região na
maioria das vezes, predomina, diante de nossos esforçados trabalhos
cotidianos, mesmo quando têm como fontes , os mais conceituados
mestres!
No entanto, se o profissional da área médica, se
disp, não só, consultar como rotina, mas, também, ouvir seus
pacientes, com mais atenção, "olhos nos olhos”, deixando-os à vontade
e descontraídos, para contarem tudo o que sentem; sobre suas dores
do corpo e da suas duras labutas, e só depois, tentar resolver seus
problemas de saúde, dentro dos limites de nossas possibilidades, a
conquista de suas confianças, acontecerá inevitavelmente. E com ela, se
não a cura, advirá uma grande sensação de alívio, também para o
médico, somada, à renovação da auto-estima, na sua própria
potencialidade de ajudar a quem tanto precisa.
Aprendi, assim, em
conta-gotas, no meu dia a dia, importância da união e dos vínculos
afetivos familiares, como poderosos instrumentos invisíveis, de
ânimos, quando a própria medicina, já não assinala esperanças... Não
importa, por exemplo, se a avó matriarca, tinha 90 anos, ou se a
perda é de uma jovem mãe de família, ou mesmo de uma criança, porque,
quando alguém falece, a demonstrada dor da perda, parece sempre mais
evidente!
Aprendi, meu Deus, tanta coisa, como parte da crendice ou da sabedoria popular:
Aprendi que, quando faltam os recursos e os remédios convencionais, as ervas e até as superstições, curam;
Aprendi que, muitos alimentos, como o pato, o camarão e a carne de porco, são “reimosos”; (fazem mal)...
Mas, aprendi também, que, um simples abraço, dado por mim, em uma
paciente desolada, tem um efeito muitas vezes mais calmante, do que
anestesia...
Aprendi que meu sorriso na chegada, deixa meus pacientes tranquilos e mais desinibidos...
Aprendi como médica na roça, que, não posso ser escrava do tempo, nem de certas convenções sociais, ou, profissionais.
Por
isso, hoje, para mim, o tempo empregado para ajudar, é aquele que
representa ouro; e não, o tempo que me assinale maior faturamento, ou,
mais dados estatísticos de atendimentos...
Aprendi que, a
simplicidade deles e seus totais despojamentos, tornaram-me, cada vez
mais, cativa, no sentido de precisar melhor orientá-los; ainda que,
transcenda ao “pão-nosso” do dia, dia, de consultar, de auscultar, de
ouvir e de receitar...
Aprendi e até descobri, o quanto sou importante para eles, ao menos naquela oportunidade, em que, só contam comigo.
Portanto,
se ao longo de meu indefinido apostolado, nestas “brenhas”, a ordem
prioritária, tem vindo da minha própria formação cristã, procurando
dar com um esforço inaudito, ao menos, a quem precisa, o melhor de
mim, porque, como filhos de Deus, somos todos iguais, embora, com
diferentes problemas, notadamente os de saúde, estou convencida de que, a
minha obrigação maior, aqui, é tentar , se não curá-los, ao menos,
amenizar suas dores do corpo e da miséria, certa das minhas enormes
limitações; mas, sensibilizada, o suficiente, para descobrir em muitos
olhos, independentes das idades cronológicas, aquele brilho interior
com o nome de “esperança”! Aprendi com meu paciente
Sr Antônio , que durante uma hemorragia digestiva alta, seus familiares
no ápice de receio de perdê-lo queriam transferi-lo para a capital e
ele mesmo debilitado, em um tom mais alto que todos disse; quem decide a
minha vida é a Dra Debora, ali tive mais uma prova que a minha
responsabilidade é enorme.
Aprendi, enfim, que, independente da
cultura, da ciência, da tecnologia e própria sabedoria do ser humano, a
humildade e a solidariedade, são essenciais para qualquer vida.
Na verdade, nesta minha inusitada caminhada, perdas também sofri, é inegável!
Com certeza, acabei me isolando, em parte.Longe dos cursos, das
reuniões científicas, dos mestres, das juntas médicas, diante de um
paciente mais comprometido e de difícil tratamento.Na vida, temos sempre
que fazermos escolhas, e nas escolhas sempre haverá perdas e ganhos.
Assim,
sem nenhuma ambição de glórias e de notoriedade, procuro, viver e
exercer com dignidade e muito amora, meus espontâneos apostolados :
como esposa, como mãe de família e como médica, residente e clinicando,
no longínquo interior do Maranhão: sem ambições por glórias, mas,
faturando no meu dia a dia, o ganho maior, representado pelo esforço de
procurar fazer da melhor maneira como posso, minhas lições do dia a
dia!...
Sou uma médica do interior (com muito orgulho) implorando
para ser vista, ser ouvida, como muitos colegas, que abdicaram dos
grandes centros para ajudar e resolver.
O que precisamos senhores
es é que vivam o que vivemos, nos proporcione boas
condições de trabalho e acima de tudo nos trate com respeito.
Afinal, “a vida é combate que os fracos abate, que os fortes, os bravos, só pode exaltar”. (Gonçalves Dias)
Debora de Melo Rocha da Costa